ENTREVISTA CONCEDIDA POR VICENTE PINTO – Parte 7
De: REPÓRTER ESSO
Para: JORNAL DO PUTIÚ
RE: Entendo haver forte relação romântica entre o artista e o instrumento que o possibilita expressar a sua arte. Eu, por exemplo, declaro-me ser um eterno apaixonado pela palavra, pois sem ela nada sou naquilo que amo produzir: textos. Não cabe negar o prazer por você demonstrado em todas as ocasiões em que abraçou a sua sanfona. Fale-nos, por favor, desse longevo amor, desde os tempos dos primeiros flertes até a entrega total e absoluta.
VP: Eu curto a sanfona até em foto de revista. Sempre nutri por ela uma verdadeira paixão. Mas vamos a um pouco de história. Do meu conhecimento, não me recordo de ter visto um parente sequer, do lado da família do meu pai, tocar qualquer tipo de instrumento. Já do lado da minha mãe, havia o Manassés, músico habilidoso no trato de todo e qualquer instrumento de cordas. No meu caso, para chegar à sanfona, eu tive de galgar alguns degraus. Houve muito interesse e muita dedicação da minha parte. Ocorre que o seu Raimundo José, pai do Aluísio, trouxe a família para morar aqui no Alto da Igrejinha. Era, como podíamos dizer, uma família musical: o Mundinho, o mais velho, sapateiro que, casado, foi morar nas Lajes, tocava violão; o Aluísio, parceiro de muitos ofícios, já se destacava tanto no cavaquinho quanto no violão; e o Sabará, o mais novo, logo demonstrou habilidade com o pandeiro e o triângulo. Ainda havia um tipo de cabaça recoberta com uma rede de contas de terço e conhecida como afoxé. Pois bem. Eu, sem saber de nada e sem recursos para investir em mim mesmo, mas sempre engenhoso, tratei de fazer um pandeiro à base de lata de doce e guizos ou platinelas de tampinhas de garrafa de cerveja. Por algum tempo, foi assim. Até que o Mundinho comprou um pandeiro de verdade. Aí, modéstia à parte, eu me especializei, chegando a tocar com vários sanfoneiros.
RE: Agora, e a velha paixão?
VP: Mais história. O Manuel Matias costumava fazer festas dançantes em sua própria casa, ali defronte à Usina. Contratava, então, o Chico Maneiro, famoso sanfoneiro lá de Quixadá. Num dia de sábado, o Chico chegou de trem e, ao desembarcar, eu me ofereci a ajudá-lo: agarrei a sanfona e, no trajeto, disse a ele que tinha muita vontade de aprender a tocar aquele instrumento. E aí veio o primeiro incentivo: Vá lá pra casa que eu ensino. Ele tocou a festa durante a noite do sábado, retornando a Quixadá no domingo. Já na segunda-feira, confiando que seria a minha vez, a grande oportunidade, fui até a Terra da Galinha Choca, sem sequer saber o endereço de destino. Houve quem me informasse isso direitinho. Ao me ver, ele admirou-se da minha disposição. Logo pegou a sanfona, me entregou dizendo assim: Vá treinando. Eu vou à Rua. Quando eu voltar, vou te ensinar. Para a surpresa dele, quando chegou eu já estava tocando o bolero Cerejeira. Não tão bem, é óbvio, mas pra um aprendiz... dava pra entender. Conclusão: ele não me ensinou; no caso, me incentivou. Tanto é que a sua reação se expressou na seguinte observação: Rapaz, compre uma sanfona porque você já está é perdendo tempo. Aí, eu voltei de Quixadá numa alegria só! E assim começou a minha trajetória de sanfoneiro que se alonga até hoje, sempre com amor e muita dedicação. Verdade seja dita: sou apaixonado pela sanfona. Quando estou com ela, viro uma criança.
RE: Hoje, você manifesta a sua arte por meio do teclado de mesa. Essa opção, além de certamente favorecê-lo sob o aspecto físico, tem algo a ver com a modernidade?
VP: O teclado é um instrumento versátil, oferece muitos recursos. Trata-se de um instrumento mais completo. Também mais complexo. Ainda estou na fase de aprendizado. Ele chegou às minhas mãos através da Ana Paula, minha filha, que entendeu já ser o uso da sanfona impraticável, pela minha idade. E ela tem razão: é muito peso... são 13 quilos. Quando o teclado chegou, com ele veio a curiosidade. É como você diz: a modernidade e os seus atrativos. Confesso que causou em mim um impacto. Mas logo a sanfona se manifestou: Quem manda aqui sou eu! Assim, não há como negar: eu amo a sanfona. Não há instrumento que substitua o velho acordeon. Nenhum!