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COISAS QUE ACONTECEM


ENTREVISTA CONCEDIDA POR VICENTE PINTO – Por áudio (Parte I)

 

DE: REPÓRTER ESSO * 

PARA: JORNAL DO PUTIÚ

 

RE: Seu pai era ferroviário; seu irmão mais velho (o Eliézer) era alfaiate; sua irmã mais velha (a Edilza), costureira; o que o levou a ser pedreiro e mestre de obras; artífice da colher, do nível e do prumo?

VP: Na verdade, o meu pai era pedreiro. Na estrada de ferro, era funcionário, mas na função de pedreiro. Ele trabalhava nas casas de turma, nas casas de agente; enfim, em dependências da rede ferroviária. Ocorre que, nas folgas dele – dificilmente o meu pai gozava férias; sempre tinha um diretor que o chamava para fazer uma coisa ou outra –, mas nas folgas dele... as nossas casas em vez de cercas já tinham muros e era ele quem construía e eu trabalhava como servente dele. Quando a minha mãe o chamava para um lanche, uma merenda, eu aproveitava. A primeira vez que ela o chamou, eu assentei uns quatro tijolos na parede. Ele voltou... e eu fiquei só observando. O meu pai simplesmente arrancou tudo. Meu camarada, me deu uma desilusão, me deu um desânimo tão grande! Mas eu insisti com a coisa, insisti... Houve uma vez que, olhei bem pra linha, coloquei uns tijolos... ele chegou, só deu um leve tapinha no que eu havia feito e deixou passar. Aí eu disse: Opa! Começou a minha vida desse jeito.


RE: E como se deu o seu crescimento nesse tipo de profissão? 

VP: Sempre aparecia uns serviços de cimento, uma calçada quebrada. Eu ajeitava dali, ajeitava dacolá... Eu via capricho no que o meu pai fazia: quando cimentava, quando queimava o cimento. Ah, eu tenho histórias demais! Ali na casa que era dos pais do Aluísio – eu não sei se ainda tem por lá –, eu fiz um cimento que, quando terminei, o pessoal passava pra lá e pra cá e não desmanchava. Modéstia à parte, a gente tinha essa qualidade de trabalhar o cimento da seguinte maneira: o tempo ia passando e a gente ia jogando querosene... e a colher cantava, a colher chiava.

O patamar da igreja... A subida para a igreja era horrível. Quando chovia, a água escavava tudo. Era um padrezinho salesiano, de nome Celestino, quem tomava conta da igreja. Como eu estava fazendo uma obra... trabalhando nos Salesianos, ele me propôs: “Vicente, rapaz, vamos fazer uma melhoria ali na frente da igreja”. Então, sugeri que fosse feito um segundo patamar. E coube a mim tal serviço, incluindo a escadaria.


RE: E era isso que o seu pai pretendia para o filho?

VP: Não. O maior desgosto do nosso pai era não ter um filho formado. E  eu falei pra ele: “Pai, na realidade o senhor não tem nenhum filho formado, mas todos nós temos as nossas profissões, profissões dignas...” Veja bem, lá no Rio de Janeiro eu era o Vicente Pinto! Quando alguém, numa residência, perguntava assim: “Quem é que está fazendo esse serviço aqui?”. A resposta  era: “É  o Vicente Pinto!”. Então, mulher ou homem sempre assim reagia: “Rapaz, eu quero o telefone desse artífice.” Eu era o Vicente Pinto! E na alta sociedade. Trabalhei em Ipanema, Leblon, Copacabana, Tijuca, Botafogo... Só em lugares de gente de muitas posses, de quem vivia bem. Então, foi lá que eu trabalhei.


RE: E como o seu pai reagiu a tudo isso?

VP: Ele se conformou um pouco... exatamente porque, na realidade, ele queria ver um filho formado... mas isso passou. E todos nós vencemos, graças a Deus! Muita história, camarada! Muita história... 

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Nota do Repórter: A referência ao Repórter Esso é proposital: o resgate de um pouco do passado que se fez presente nas vidas de pessoas cujas respectivas narrativas e vivências a isso favorecem. Trata-se de “programa ícone do radiojornalismo nacional” que, criado nos Estados Unidos com o propósito de narrar, priorizando a informação, fatos relativos à 2ª Guerra Mundial, chegou ao Brasil nos idos de 1941 (28 de agosto, dia da edição inaugural) e saiu do ar por conta da censura nos tempos da ditadura  militar. Coube à Rádio Nacional, “empresa estatal hegemônica àquela época”, efetuar as transmissões diárias, principalmente na voz marcante do jornalista Heron Domingues (de 1944 a 1962). A vinheta bem caracterizava o programa por meio de sons que lembravam o toque de trombetas.       

                             

 

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