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COISAS QUE ACONTECEM


ENTREVISTA CONCEDIDA POR VICENTE PINTO – Por áudio (Parte 2)

 

DE: REPÓRTER ESSO * 

PARA: JORNAL DO PUTIÚ

 

RE: Meu caro amigo Vicente Pinto, conte-nos, por favor, alguns “causos” ouvidos do seu Antônio Bruno, foguista aposentado da RVC  (Rede Viação Cearense, na versão formal; Rapariga Velha Cansada, na versão popularesca), que perdera uma perna em acidente de trabalho e preenchia o tempo produzindo ou consertando tarrafas, de todos os tamanhos e vários tipos de malha, sentado em tamborete na calçada alta da casa à margem da estrada carroçável de acesso aos Coiós, o de Cima e o de Baixo.

VP: Vou só lhe contar uma preliminar do seu Antônio Bruno, que todo muito conhecia como um grande mentiroso, embora fosse um mentiroso de boa-fé, pois o objetivo dele não era para prejudicar ninguém. Uma vez, ele estava sentado na calçada da casa dele, no seu ofício, quando, olhando para o alto da serra para lá do rio, disse assim:

– Ô João, meu filho, venha cá. Você está vendo aquele macaco no galho daquela ingazeira? – A pergunta se fez acompanhada de indicação com braço direito esticado e dedo indicador apontando para o alvo.

O Joãozinho, moleque magricela e bom de bola, chegou, olhou para onde o pai apontava, botou as mãos em concha acima dos olhos para reduzir a ação do sol e melhorar a visão, se abaixou e, já quase sentado no  chão, respondeu:

– Pai, não estou vendo, não!

– Saia daqui, seu cego! – A ordem carregava um pouco de raiva.

O seu Antônio Bruno, então, chamou o Chico, o seu filho mais velho. Fez a mesma pergunta:

– Meu filho, você está vendo aquele macaco lá no galho daquela ingazeira?

O Chico olhou. E disse:

– Pai, não estou vendo, não.

E o velho ordenou:

– Saia já daqui, seu outro cego!

Ao Damião, o filho do meio então por ele chamado, fez a mesma pergunta:

– Damião, meu filho, você está vendo aquele macaco no galho daquela ingazeira?

Damião dirigiu um  aguçado olhar para onde o pai apontava, aí exagerou:

– Pai, não é macaco, não! É uma macaca...

A reação do velho veio com o reconhecido poder de pai daquela época:  

– Saia daqui, seu filho duma égua! Você quer ser mais mentiroso do que eu!

São essas historinhas que eu acho muito engraçadas.

 

RE: Qual a versão dele para a trágica perda da perna?

VP: Pois bem. O seu Antônio Bruno tinha, sim, uma perna amputada, logo acima do joelho.

Alguém, um dia, perguntou a ele:

– Seu Antônio, o que foi isso?

Ele assim esclareceu:

– Foi uma virada de trem. A máquina virou e passou três dias em cima de mim, derramando água quente. Aí vieram os médicos e amputaram a minha perna. As pessoas me tiraram debaixo do trem. E a minha perna ficou lá, debaixo da máquina.

Ora, uma pessoa passar três dias com a perna sob uma máquina despejando água quente sobre ela, e depois disso continuar vivendo e contando a história, só pode ter sido um milagre... ou mentira muita!

 

RE: “As mentiras” por ele contadas causavam algum efeito negativo contra ele mesmo?

VP: Quando ele contava uma verdade – por exemplo, contava que iria receber um dinheiro –, ninguém acreditava. Na verdade, ele recebeu por duas vezes, certamente por indenização pela perda da perna. Na primeira vez, ele recebeu oitenta e cinco contos de réis. Era dinheiro muito, meu amigo. Dava até pra comprar o Baturité todo. Na segunda vez, parece que uma quantia de setenta e cinco contos. Outra bolada! Mais ninguém acreditava... mas ele recebeu esse dinheiro. De tanto mentir, quando falou a verdade não convenceu a ninguém.

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Nota do Repórter: Essa dinheirama toda, talvez nem a família saiba onde ele enfiou. Na verdade, ao meu tempo, a família vivia modestamente. Eu tive o prazer de jogar futebol com o Damião e o Joãozinho, garoto magricela, estilo Bibi do Zé do Carmo de tratar a bola, que chegou até a vestir a camisa do Putiú, sob o comando do Jaime Carlos, o Cara!. Quanto ao Chico, lembro das conversas sobre pescaria; e, como diziam os “linguarudos”, todo pescador sempre exagerava um pouco. A dona Alaíde, esposa do seu Antônio, às vezes era por ele convidada a confirmar os seus “causos”. E esse comportamento lembrava o Pantaleão, personagem do Chico Anísio, também mentiroso, que sempre apelava para a confirmação da mulher: “Tô mentindo, Terta!”. E ela sempre respondia: “Tá não, meu velho!”. (TV Ceará, canal 2 – emissora do grupo Diários Associados, do Assis Chateaubriand, e repetidora da Rede Tupi de Televisão). 

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