ENTREVISTA CONCEDIDA POR VICENTE PINTO – Por áudio (Parte 3)
DE: REPÓRTER ESSO
PARA: JORNAL DO PUTIÚ
RE: Embora seja vascaíno, o que o levou a nominar de Madureira um time essencialmente putiuense?
VP: Na realidade, eu sou vascaíno. Já o Madureira nasceu no roçado. Explico. Eu e o Eliézer, meu irmão mais velho, estávamos limpando mato no roçado, quando começamos a falar sobre futebol. Em meio a conversa, eu perguntei: Se a gente formasse um time, qual seria o nome? Ele respondeu o seguinte: Rapaz, se eu formasse um time, botava nele o nome do time do Rio de Janeiro que estivesse na lanterna. E eu quis saber o porquê. Ele justificou assim: Porque se a gente fizesse alguma coisa de positivo, já seria uma vantagem sobre o Madureira de lá; ao contrário, se não fizesse nada, já estava na lanterna mesmo. E a ideia do Eliézer prevaleceu, predominou. Assim nasceu o Madureira do Putiú. E, ressalte-se, foi um time que fez história.
RE: Lembra-se, ainda, de alguma formação do Madureira putiuense?
VP: A primeira formação do Madureira era assim: Luizinho Carnaúba, o goleiro; o BOC e o Carcará, os zagueiros; Zé Nascimento, o lateral direito; Carrapato, o meio de campo; Vicente Pinto, o lateral esquerdo; na ponta ditreita, o Mudinho Galo Branco, irmão do Luiz Tampinha; na meia, o Cariola, um cara vindo lá de Quixeramobim; o centro avante, dele não me lembro, a memória falha agora; na meia esquerda, o Nico; e, na ponta esquerda, o Aluísio. No passar do tempo, o Madureira mudou, ficou diferente. O goleiro era o Zé Richiu. Na zaga e no meio, permaneceram os mesmos jogadores: BOC e Carcará; Zé Nascimento, Carrapato e Vicente Pinto. Agora, o ataque mudou quase totalmente; senão vejamos: Mudin da Ambrósia, Nico, Zé Uzir (que era mestre de linha), Antônio Guariba e Aluísio.
RE: Que fatos interessantes marcaram essa época?
VP: Vamos lá. Nessa segunda formação, eu fui o primeiro a comprar o material para mascote que, no caso, era o Zé Milton do Chicó, neto do seu Artur. Ele tinha apenas 4 anos de idade. Quando ele entrou em campo, lá nos Salesianos, foi a maior sensação porque aquela “coisinha”, bonitinha, vestida com o nosso material, do Madureira, foi qualquer coisa de especial. Na primeira formação, anterior a essa que, inclusive, tinha o Antônio Guariba, quando da formação original do Madureira, havia um padre salesiano que tomava conta do pessoal do Oratório. Ele nos convidou para uma melhor de três. No primeiro jogo, nós ganhamos de 4x1, mas perdemos o segundo de 3x2. Aí fomos para a decisiva e voltamos a vencer de 4x2. O Aluísio ganhou a medalha de artilheiro, por ter feito mais gols, e eu ganhei a de melhor marcador. Na época, o ponta direita do Oratório era o Fausto do Nelzinho, um velocista. Quando ele dominava a bola e partia pela direita, não tinha quem o acompanhasse. E eu, por ser o lateral esquerdo, era o marcador dele. Não deixei o Fausto criar nada, absolutamente nada. O Madureira levantou a taça, o Aluísio foi o artilheiro e eu, o melhor marcador.
RE: Com certeza, houve comemoração, né?
VP: Sim. Morava no Putiú um sargento do Exército e enfermeiro, o seu Ernesto, casado com a dona Dionísia, também enfermeira. Depois da entrega da taça e medalhas, nós viemos lá do Oratório cantando o Madureira até a casa do sargento. Foi lá que a gente tocou e o pessoal dançou em comemoração da vitória. A Naninha, irmã do Guariba, era a madrinha do time e desfilou com a bandeira do Madureira. Foi um espetáculo. Parece que ainda estou vendo tudo isso hoje.
RE: Que outros fatos, ocorridos nessa época, que você seria capaz de resgatar da memória já octogenária?
VP: Rapaz, eu tenho muitas histórias pra contar. Houve uma época bem marcante para nós porque trouxemos o bom time do Maracanaú e o Waldemar Falcão, lá de Fortaleza. Aqui havia um negócio interessante. Quando o Ferroviário não atuava no Campeonato Cearense, alguns atletas jogavam nesse time do Waldemar Falcão. Era o caso do Macaúba e do Macaco. E nós jogamos contra eles. Um outro feito digno de registro: o Madureira foi o único time que ganhou do Putiú do Ribamar e do Osnilo. Isso ocorreu no ano em que, no campeonato local, tivemos só um turno porque logo começaria o intermunicipal. E só nós conseguimos vencer o bom time do Putiú. Outra coisa. O nosso ponta direita era o Mundinho da Ambrósia. Não sei se você chegou a conhecer a história da Ambrósia? Ela sofria das faculdades mentais; na verdade, era louca. A sorte é que quem cuidava dela, uma irmã, era saudável. A Ambrósia era louca. Lembrei-me de um fato interessante. Nós saíamos para jogar em vários lugares: Umari, Candeias, Mulungu, Aracoiaba, Capistrano, Itapiúna. As viagens sempre eram de caminhão que, quando a gente chegava, parava ali na pracinha do Putiú. A gente descia e caminhava a pé até na subida do Alto da Igrejinha. Pois bem. O seu Holanda, pai da Albaniza, ficava ali na grade do portão de casa esperando. Com a aproximação do grupo, ele perguntava: Como foi o jogo? O Aluísio fez quantos gols? Essas eram as perguntas que ele sempre fazia. As mesmas. Vocês ganharam o jogo? De quanto? Quantos gols fez o Aluísio? Se o jogo saía de 1x0, o gol era do Aluísio. Uma vez, nós fizemos um jogo lá no Candeias. Foi interessante. Naquela época, ninguém tirava retrato. Mas eu comprei uma kodaquezinha e um filme. Surpresa. Não contei pra ninguém. Quando nós chegamos lá no Candeias, aí eu fui distribuir as camisas, para então fazer a surpresa da foto. O Aluísio então se negou a receber a dele: Não, eu não vou jogar, não. Em vim só para brincar. Eu insisti: Aluísio, pega a tua camisa! Ele se manteve na negativa: Eu não quero, não. Eu não quero camisa, não. Então, eu dei a camisa dele ao Raimundo Nei. Já todos devidamente vestidos, eu disse assim: Pessoal, agora forma ali que eu vou tirar uma foto. Aí, amigo, o Aluísio queria a camisa de qualquer jeito. Eu resisti. E ele não saiu na foto. No segundo tempo, o “negro” entrou e marcou 5 gols. Nós ganhamos de 7x1. São histórias, muitas histórias.
RE: É verdade que você nunca marcou um gol sequer?
VP: É sim. Eu nunca fiz gol. Eu era ruim de gol. Uma vez, eu bati um pênalti. O goleiro adversário, lá do Oratório, era o Carlinhos Viana, filho do Raimundo Viana, dono da Usina Putiú. Ele pegava muita bola. Pois bem. Achei de cobrar o pênalti. Eu tinha um chute muito forte, mas me faltava sorte pra fazer gol. Na hora, pensei assim: Eu vou matar este goleiro. Jeito de dizer, né! Então, fiz carreira de longe, fechei os olhos e deu uma “cacetada”. A bola bateu no travessão três vezes, quicando assim: tum-tum, tum-tum, tum-tum. E o Carlinhos só acompanhando com os olhos: pro travessão e pro chão. E não fiz o gol. No final das contas, depois que a bola amorteceu, ele a abraçou calmamente. E eu não consegui fazer o gol. Já o Aluísio fazia. No mínimo, ele fazia um gol.
RE: Para concluir, vou me alongar, um pouco. O Carlinhos Viana era o goleiro da seleção baturiteense de futebol de salão, ganhadora dos dois primeiros intermunicipais da modalidade. Um jogo contra o Iguatu, lá na Quadra de Esportes General Mário Ramos, próxima da Matriz, foi empolgante. O Baturité ganhou de 3x0 e, como havia empatado em 2x2 lá em Iguatu, classificou-se para as finais em Fortaleza. O bicampeonato foi em cima do Sobral, numa vitória de 3x2. O time era Carlinhos Viana, Wilson, Eusébio, Boneco ou Ailton e Niltinho. O que você pode nos contar sobre o futebol de salão?
VP: O nosso futebol de salão não tinha pra ninguém. Quando eu fui presidente da Liga, nos anos... parece que nos anos 90, nós também participamos de intermunicipais e fizemos um campeonato regional. Só na Boa Vista, eram dois times de primeira [qualidade]. Tinha outro em que jogavam os filhos do Marcelino. Os filhos do Chico Barbeiro formavam um outro. Os meninos jogavam bola demais, demais da conta. O Carlinhos, já na época do pênalti que bati e perdi, se revelava ser um grande goleiro. Tanto é que, no futebol de salão, era o titular absoluto. Nós tínhamos muita gente que jogava futebol. Naquela época, era assim um negócio fantástico. Infelizmente, os administradores da nossa cidade deixam a desejar. É uma coisa tão triste. A gente... Eu perdi o gosto pelo futebol. Perdi, sim. Hoje, quem é que joga em Baturité? Ninguém sabe. Na nossa época, na minha e na sua, nós sabíamos quem jogava. No meu caso, lembro os filhos do Chico Barbeiro, os do Marcelino... O Marcelo Vítor jogava demais. Ele e o Neném Vítor... Eles formaram outro time de futebol – os Vítor. Às vezes, eu acompanhava jogos de futebol de salão da calçada da minha casa... a quadra, lá longe, toda iluminada... e sabia quando o Baturité fazia gol. Eu contava os gols e, no outro dia, sabia quantos o Baturité havia marcado. Muita história, cara! Muita história.
RE: Perdão, mas não posso deixar de lado uma pergunta que ora me incomoda. Eu sempre disse – e digo – que o Juarezinho e o Bibi, por exemplo, jogariam em qualquer time do Brasil. Do seu tempo, havia também jogador com capacidade para merecer a mesma projeção?
VP: Em 1957, o campeão cearense foi o Ferroviário. O Baturité formou o time dos doutores – o doutor Clóvis, o doutor Zé Rosa, o doutor Beltrano, o doutor Cicrano, o doutor Fulano. Aí eles convidaram o Ferroviário que aqui goleou: 12x0. Resolveram, então, formar um time mesmo, para disputar o intermunicipal. Treinaram bem. Trouxeram novamente o Ferroviário, com Pacoti e companhia, que venceu apenas de 3x2. E o Antônio Guariba... eu não me lembro se foi nesse jogo que ele marcou dois gols de escanteio. Outra informação: o pessoal do Ferroviário convidou o Zé Amarelim, o Zé Batista, o Antônio Guariba, o Mamede e um outro cujo nome ora não lembro. Eles foram convidados para jogar no campeão cearense. Mas a vida aqui em Baturité era tão boa, era maravilhosa. Enquanto a vida de jogador não é assim maravilhosa como a gente pensa. É concentração... O sujeito praticamente mora na concentração. É treino de manhã e de tarde, em todos os dias sem jogo. Os meninos daqui não se submeteram a isso. Mas eles tinham capacidade, sim, de jogar no melhor time do estado. O Antônio Guariba era um dos convocados, só que era rebelde ao extremo e não obedecia a ninguém. Mas tinha uma grande qualidade: a de ser muito aplicado no que fazia. Na realidade, era um grande sujeito.