MENINO DO BAIRRO (parte 1)
“O universo vegetal apenas sussurra até que uma tempestade ponha em ação toda a música terrestre. (...) Daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio, eu saí a andar, a cantar pelo mundo.” (Pablo Neruda, em Confesso que vivi. Bertrand Brasil, 2002; pág. 12).
No meu tempo, há mais de meio século, a formação de um indivíduo, até que alcançasse a efetiva cidadania, cujo marco temporal por excelência ou, em outros termos, pressuposto básico era a independência financeira (obviamente havia os formalismos da cédula de identidade, do título do eleitor, do certificado de alistamento militar e, para alguns, do cadastro de pessoa física), nutria-se da perfeita combinação de três fatores fundamentais, colunas estruturais em torno das quais era executado todo o projeto de construção de um homem ou de uma mulher.
Cito-os em ordem de significação:
1º) o rigor e o exemplo na condução da educação familiar, desde a mais tenra idade, sob a permanente e indelegável responsabilidade dos pais; 2º) o ensino e a aprendizagem no ambiente escolar, decorrentes do envolvimento profissional – pedagógico e didático – de professores-educadores conscientes da importância da sua eficiente e eficaz atuação, forjada no binômio magistério e sacerdócio e sempre compartilhada com a família; e 3º) o contato diuturno com as oportunidades, as exigências e até as vicissitudes da Vida, mestra austera e intransigente na prática do cotidiano.
Declaro que, apesar dos irresponsáveis deslizes, dos imperdoáveis fracassos, das acabrunhantes decepções ou frustrações e das infrutíferas, desastrosas e injustificáveis opções por mim assumidas, todos esses percalços da travessia concentrados na crucial fase intermediária entre a pré e a adolescência propriamente dita, não me arrogo o direito a queixumes de qualquer natureza, no que tange ao meu processo formativo; afinal, cumpre-me reconhecer que tive família e escola, na exata acepção que se lhes dê sob qualquer vertente científica – sociológica, pedagógica, psicopedagógica et cetera e tal. Quanto à Vida, essa sim me favoreceu em naturalidade, generosidade e, especialmente, em proficuidade. Se sofri, confesso que aprendi.
Através desses três fatores, com uma variável dosagem de predisposição, envolvimento e boa vontade da minha parte, criei tutano, robusteci o antes fragilizado revestimento da alma, desvendei mistérios, sobrevivi às intempéries, e o velho Putiú, colaborador geográfico e demasiadamente humano do meu processo evolutivo, me ajudou a arrebentar o casulo da sempre complexa adolescência e concorreu para que eu virasse gente. Era um homem, de repente!
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Luciano Moreira, baturiteense, ex-professor cenecista, servidor público federal aposentado e graduado em Letras – Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará.