MENINO DO BAIRRO (parte 3)
Há outras recordações interessantes que também ora reclamam registro, as quais remontam ao tempo em que:
a) gazeava aula chupando cana quebrada no joelho, descascada no dente após fortes batidas dos nós nos entrenós, no meio do canavial dos padres salesianos;
b) brechava as lavadeiras dos rios, com intenções que já não mais posso sequer declarar (já não sou mais aquele moleque, elas não são mais lavadeiras e até os rios não são mais os mesmos);
c) subia na torre da igrejinha para consertar ou substituir a corda presa no badalo do sino, instalar ou ajustar o alto-falante da irradiadora, afugentar morcegos com a explosão de bombas juninas e exterminar ninhos de andorinhas e corujas;
d) empinava papagaios (arraias) coloridos em campo aberto nas ventanias do meio do ano;
e) paquerava as menininhas mais afoitas nas voltas e mais voltas na pracinha do bairro, nas primeiras horas das noites iluminadas pela luz frouxa de luminárias em postes de jardim, sem muita coragem de dar uma cantada, ante o risco de não ser correspondido;
f) disputava partidas de bilharina no bar do Miguel Pedrosa, o Meu Santo, ou de bilhar no do Antônio Guariba, quando “piruar” também fazia parte do negócio; jogava conversa fora ou participava das “barcas” após jogo do Putiú, com Meneses, Bibi, Juarez, Verçosa, Zé Olavo do Paulão, Hélio (Corró), Ribamar, Jaime, Zé Américo, Ortnilo; tomava, quando podia, umas cervejas Astra com tira-gosto de fígado bovino acebolado, a joia da cozinha do Meu Santo;
g) dançava nas tertúlias das casas de quem possuía radiola e discos – LPs e compactos – da Jovem Guarda (a dança lenta, quando os corações pareciam trocar silenciosas mensagens enquanto os olhos adormeciam, era apaixonante);
h) encontrava motivos para, no longo calçadão da estação ferroviária, juntar-me a um animado grupo de jovens e acompanhar o frenético ir e vir dos passageiros dos trens que se originavam da Capital ou para lá se destinavam, em especial os suburbanos nas tardes dos sábados e domingos;
i) perdia um bom tempo na frente do espelho, dando, à base de vaselina Glostora, um trato especial na vasta cabeleira à Elvis Presley; vestia, então, uma camisa Volta ao Mundo ou Pele de Ovo e uma calça de boca de sino, calçava sapatos Cavalo de Aço e saía da toca livre, leve e solto;
j) fumava (Continental ou Hollywood com filtro) e bebia (cerveja ou Campari com pedras de gelo e rodelas de limão) às escondidas do mestre Expedito, que certamente disso desconfiava, pelos efeitos exteriores que tais vícios causavam;
k) pecava – e muito! – mas, contrito, me ajoelhava no confessionário para contar ao padre, que me conhecia tão bem, e, por isso, nem tudo eu revelava – é claro! –, para dele receber a penitência equivalente ao perdão e, assim, obter o alvará para novos cometimentos. Era a vida!
Por tudo aqui ora exposto, resta-me uma convicção: eu fui um menino do bairro.
___________________________
Luciano Moreira, baturiteense, ex-professor cenecista, servidor público federal aposentado e graduado em Letras – Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará.