Conto de Puxinanã: As “fulôs” do Mucunã
– Preste atenção, doutorzinho! O que ora vou lhe contar, com certeza o senhorzinho não vai nem acreditar. Não se trata de mentira, mas d’uma pura verdade; pois nunca saiu desta lira qualquer som de veleidade.
O seguinte é este, “entonce”: havia nestas paragens, nos idos de “ternontonte”, três belas moças, três todas virgens que mexiam com a gente; homem feito ou rapaz ficava de quengo quente, desandava a nossa paz. As três em idade viçante, costumavam nas manhãs, sob sol escaldante, nas águas do Mucunã, lavar toda roupa suja, tomar banho de vestido aos olhos de nós, corujas.
Os belos corpos fogosos despertavam o “enrustido” e o “bicho” já desejoso soltava até gemidos; não havia outro remédio que o desafogo da alma, melhor que qualquer assédio, pois qualquer tesão acalma. Três donzelas bem faceiras, três “fulôs”, três jovens damas, chutavam águas nas beiras, rolavam alegres na lama; sorriam e gargalhavam, de pega-pega brincavam, nadavam e mergulhavam e quase nuas ficavam, para o doce prazer de quem, restava apenas o sonho, consolo dum Zé Ninguém, desejo mais que medonho. Já fisgados os anzóis, mais prendia a atenção o pecado perto de nós, causando forte atração...
Que se danassem os corrós... que explodisse o vulcão! E as virgens mais remexiam os seus corpos tão formosos, ao perceber que uns assistiam com desejos pecaminosos: prazeres em brasa ardiam, em excitações perigosas.
Elas mais se assanhavam (Que corpos tão sensuais!) e, diante de nós, expeliam lavas de desejos carnais. Os olhos arregalados, fixos nas três “fulô”, sem medo e sem cuidado, nada mais viam, “doutô”. Mas, na parede do açude, de espingarda e embornal, o guardião de atitudes, o cão de guarda paternal, o protetor das virtudes; contra as filhas, nenhum mal.
Eram elas as três Marias, de sorriso encantador... cada qual tão linda “fulô”, que logo desabrocharia! Em que cama se deitaria? Na minha é que não! Ó dor! Alfonsina a mais madura, de busto avantajado, tinha um olhar de candura, mas meio enviesado, jeito de quem carecia já ter um homem de lado.
Albertina, a do meio, andar de pomba arredia, não demonstrava receio de mostrar suas sesmarias, saliente par de seios; par de ancas que aprazia. Almerinda, inaugural cio, mal saída da infância, apenas compunha o trio, bela sem protuberâncias, aceitava o desafio de vencer a intolerância.
Vejam do que foi capaz o pai delas, o Sandová, arrumou todos os breguetes, pegou caminhão de frete, mudou-se pra Quixadá; deixou-nos órfãos das filhas, roubou-nos a maravilha de vê-las em todas as manhãs, de vestido bem colado (Ô velho mais que malvado!), banhar-se sensualmente nas águas do Mucunã.
Restou somente a saudade! E as nossas pescarias perderam graciosidade sem o frescor das três Marias... por uma atitude malsã se foram pr’outro sertão, deixando a gente na mão, as três “fulôs” do Mucunã.
Notas do autor:
Puxinanã é município paraibano, integrante da Região Metropolitana de Campina Grande e conhecida como “a cidade de lajedos”; tem população de maior incidência na zona rural.
Mucunã é bairro de Baturité, o sétimo em população (Censo de 2010); seu nome deriva de ”tipo de leguminosa, trepadeira, cujas vagens, encobertas de pelos, ao tocarem no corpo humano, ocasionam uma coceira intensa”.
Este texto consiste na tentativa de reproduzir “poema” matuto ouvido de jovem “aprendiz de repentista”, por ocasião da minha estreia como pescador de anzol e isca de minhoca nas águas escuras do açude da Mucunã; ele de parceiro, os dois sentados na parede do reservatório. Recordei-me da motivação ao revisitar o poema As flô de Puxinanã (abaixo transcrito literalmente), do poeta paraibano Zé da Luz (Severino de Andrade Silva), cujo primeiro contato mantive em atividade acadêmica do Curso de Especialização em Ensino da Língua Portuguesa (CELEP/UFC), em apreciação crítica do entendimento de que a poesia (fala) matuta mantém estrutura gramatical do Português. Além de Zé da Luz, Jessier Quirino (paraibano) e Xangai (Eugênio Avelino, baiano) também nos forneceram vasto material para a análise.
AS FLÔ DE PUXINANÃ (Paródia de As Flô de Gerematália, de Napoleão Menezes). Três muié ou três irmã, / três cachôrra da mulesta, / eu vi num dia de festa, / no lugar Puxinanã. // A mais véia, a mais ribusta / era mermo uma tentação! / mimosa flô do sertão / que o povo chamava Ogusta. // A segunda, a Guléimina, / tinha uns ói qui ô! Mardição! / Matava quarqué critão / os oiá déssa minina. // Os ói dela paricia / duas istrêla tremendo, / se apagando e se acendendo / em noite de ventania. // A tercêra, era Maroca. / Cum um cóipo muito má feito. / Mas porém, tinha nos peito / dois cuscús de mandioca. // Dois cuscús, qui, prú capricho, / quando ela passou pru eu, / minhas venta se acendeu / cum o chêro vindo dos bicho. // Eu inté, me atrapaiava, / sem sabê das três irmã / qui ei vi im Puxinanã, / qual era a qui mi agradava. // Inscuiendo a minha cruz / prá sair desse imbaraço, / desejei morrê nos braços, / da dona dos dois cuscús!
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Luciano Moreira, baturiteense, ex-professor cenecista, servidor público federal aposentado e graduado em Letras – Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará.