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COLUNA DO PUTIU


EU SOU NORMAL


E o botão da minha camisa azul de gola polo, useiro e vezeiro em me questionar nas minhas elucubrações (meditação e especulação) de natureza vária, desta feita quis lembrar-me da sua quase inexpressiva existência – já nem mais preenche a respectiva casa, sua função básica – indagando-me se seria capaz de relacionar elementos bem característicos encontráveis em parceiros das minhas formativas vivências lá no meu querido Putiú.


Eu não me fiz de rogado. Agitei as caraminholas, assim como devemos fazer com determinados remédios antes do uso regular, espanei na memória o pó do tempo e as teias de aranha da gaveta dessas específicas lembranças e desembuchei:

1.    a boina e a clássica dancinha do Zé Américo;

2.    a inoxidável capanga do “Padim” Ribamar;

3.    o guarda-chuva multiúso do seu Manuelzinho;

4.    o pandeiro do albino Tiquim, filho do barbeiro paraibano Zé Martins; 

5.    a gagueira do Popó do seu Mário;

6.    o pé-de-prancha do zagueiro Meneses;

7.    o pé-de-moça do ponta esquerda Aluísio;

8.    o vozeirão do seu Chico Alves;

9.    os causos fantasiosos e improváveis do seu Antônio Bruno;

10. o riso moleque do Bibi do seu Zé do Carmo;

11. o pão-durismo do seu Antônio de Souza, pai do Manoel, Alberto e Celedônio;

12. os humores do Miguel Pedrosa, o Meu-Santo;

13. o jeito de comerciar – em especial de vender – do seu Pedro da Miséria;

14. a tranquilidade aparentemente tímida do Jaime Carlos, o cara;

15. o sorriso de assustar criança do Caretinha (e da Lúcia Caçota também);

16. as peixeiras – avó, mãe e filha – do estivador Zé da Silva;

17. a agilidade felídea (de gato) do Naldo, irmão do Meneses;

18. o pandeiro do eternamente boêmio Zé Moi, cunhado do seu Antônio Pereira;

19. a arte cênica do Hélder do seu Murilo, agente da estação;

20. a sanfona, amada e tão bem tratada, do Vicentinho;

21. o cavaquinho febricitante do Aluísio, o ás das cordas;

22. as presepadas do Zé Olavo do Paulão;

23. as bicicletas do limitado Luciano;

24. o estilo simples e eficaz do Verçosa; 

25. a serenidade do barbeiro seu Juarez, pai do Juarezinho, o craque versátil;

26. o inimitável jeito de abordar do cabo Leite;

27. o estilo sóbrio de apitar jogo de futebol do Coquinho;

28. a máquina de fotografar do seu Édson André;

29. a bíblia do pastor protestante seu Zé Fernandes;

30. a carroça do seu João Carão, puxada a burro; 

31. o cabelo à Ronnie Von do Dé do seu Nego Elói;

32. o conjunto – camisa de largos bolsos e  calça – de mescla azul do mestre de linha aposentado seu Zé Antônio (o coração era bem maior que o corpo);

33. o taco do bilhar do seu Antônio Guariba, pai do Caxangá, Álcimo, Ary e Ayres;

34. a baladeira e o anzol do Sabará, irmão do Aluísio;

35. a habilidade incomparável do exímio datilógrafo Juscelino;

36. a disposição para qualquer tipo de embate do sempre destemido Antônio Luiz;

37. o jeito messiânico, carismático e cordial de tratar as pessoas do seu Vicente Matias;

38. a máquina de tirar retratos do mais famoso lambe-lambe da terrinha: o seu Manuel Matias, pai da energizada Iracema;

39. a bolsa de palha pendurada no cacete de jucá equilibrado no ombro, contendo os instrumentos de trabalho, do magricela Cabidela, abatedor de “criação”;

40. a pracinha do Putiú, em três módulos – dois retangulares e um triangular – guardadora de memórias de muita gente (eu no meio).  

Mais que satisfeito, o silêncio absoluto e o devido recolhimento refletiram a reação do meu botão da camisa azul de gola polo. 

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  Luciano Moreira, baturiteense, ex-professor cenecista, servidor público federal aposentado e graduado em Letras – Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará.  

 

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