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CONTOS QUE CONTO...

Conto narrado pelo putiuense

Luciano Moreira


Tirando o chapéu


Agora esta quem conta sou eu mesmo, até porque estava entre os que viram.

O Caxangá cultivava uma mania que, embora engraçada, era também meio arriscada: a de tomar pra si chapéu usado por passageiro em trânsito; acho  até que colecionava esse estranho tipo de troféu (a irmã dele e minha eterna parceira garante que não).

E a prática se dava em meio a uma de nossas saudáveis diversões de adolescentes, qual seja a de acompanhar, sem outro qualquer objetivo – afora alguma inesperada paquerinha –, o movimento das pessoas nas chegadas e saídas dos trens de passageiros, em especial os noturnos. 

Numa dessas aventuras, as coisas não saíram como ele pretendia. 

Escolhida a vítima do ataque – um senhor viajante solitário, bem-vestido, de bigode e cavanhaque fartos e alvos, sentado do lado da janela, com um chapéu de massa cinza escuro –, ele percebeu que, no caso, não cabia a estratégia de atacar pelo lado de fora. Então, enfiou-se no meio dos que subiam no penúltimo dos vagões, aproximou-se do alvo, acomodou-se no lado interno da cadeira de duplo assento e preparou-se para o bote certeiro.

Só que o cidadão não lhe oferecia a desejada oportunidade. Parece que desconfiava de algo estranho.

O tempo passando, nós na calçada da estação acompanhando a situação e ele pacientemente esperando o momento ideal para agir. Que não vinha! 

O chefe tocou o sino, liberando o trem que logo deu partida com destino à capital, levando o Caxangá de intruso passageiro. 

Nossos gritos e gestos para que saísse daquela enrascada de nada valiam, pois ele teimosamente mantinha a sua absurda estratégia de caçador à espera da caça. Insistimos até a porta de acesso do Armazém; a velocidade do comboio não mais nos permitia acompanhá-lo.

Já nos encaminhávamos para a pracinha, certos de que um de nós avisaria à família quanto ao fato – certamente iriam providenciar a ida de alguém em jipe de frete até à estação da vizinha Aracoiaba a fim de recolher o “viajante inconsequente” –, quando um ofegante Caxangá, com o “troféu” na mão esquerda se emparelhou conosco, dizendo:

– Quase me lasco... Quase me pegam... Consegui pular já do último vagão... Depois do pontilhão em frente à casa da vó Maria... Estabaquei-me no chão... Mas valeu a pena... Olhem aí: um chapéu de massa, novinho em folha.

Naquela hora, nós o recriminamos; afinal, ele pusera a vida em risco. Hoje, quem tira o chapéu pra ele sou eu.


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